Difícil começar uma postagem, quando o assunto que irá retratar, primeiramente, você gosta muito, e depois, ele é multifacetado. Como já disse, não sou crítico profissional, exponho a minha opinião sobre a cena cultural paulistana, que pode ajudar o leitor a decidir na hora da escolha de um programa.
O Teatro Oficina faz parte da história paulistana. Surgiu na década de 60, sendo um centro de resistência ao autoritarismo que viveu o país. Por seu palco passaram nomes importantes do teatro nacional, como Renato Borghi, Etty Fraser, Maria Alice Vergueiro, Itala Nandi e José Celso Martinez Corrêa. Em 1967, nos anos da ditadura, enquanto apresentava a peça "O Rei da Vela", o Teatro foi interditado pela Justiça Federal.
Seu prédio é histórico, tombado como patrimônio em 1982. Na década de 90, foi remodelado segundo projetos dos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito. Seu formato atual é a de um teatro-pista, ou seja, como se fosse uma rua (que é o palco), com a platéia sentada nos dois lados, em estruturas metálicas de três andares. Apresenta uma parede de vidro em um dos lados e tem o teto retrátil.
O grupo do Teatro Oficina tenta reverter uma ação contra o grupo Silvio Santos, que é dono do terreno do entorno do teatro. Primeiro, queriam fazer um shopping ao redor do teatro, que bloquearia a visão da parede de vidro do Oficina. Depois, este projeto foi cancelado.
Em 2010, o teatro e o entorno foram tombado pelo IPHAN, com isso o apresentador e empresário, Silvio Santos, afirmou que passaria a posse do terreno para o grupo teatral, em forma de comodato, desde que em troca, recebesse um outro terreno do mesmo valor. A proposta foi enviada para o Ministério da Cultura, que encontrou um terreno para fazer a troca. Só que neste ano, representantes do grupo resolveram cancelar o comodato. Até o momento, a situação está em um impasse.
Conheci o Oficina somente em 2009, com a peça "O Banquete", baseada no texto de Platão. Até então ouvia apenas falar sobre o grupo. Era um teatro em que os atores ficavam pelados e deixavam até espectadores pelados, como no caso da peça "Os Sertões"; e que suas peças se arrastavam por cerca de 5 horas.
Mas grande ingenuidade a minha. O Oficina é muito maior que isso. Quando fui a primeira vez, foi como se uma novidade se descortinasse para mim. Lógico, que fiquei receoso em ser escolhido e tirarem minha roupa. Mas não. Lá você é convidado a participar, você faz parte do grupo, que é como se fosse uma tribo. E no teatro, quem se desnuda é o personagem, nunca o ator (até o momento nunca fiquei nu em nenhuma peça do Oficina).
Depois dessa, vieram outras - Cacilda!!, as Bacantes, Macumba Antropófaga, Cacilda!!! e !!!!. Cada vez você se apaixona mais. É um grupo de teatro que está fazendo Teatro. A duração pouco importa, a história vai se construindo e ao final das 5 ou 6 horas, você vê uma obra que tem sentido, clareza e coerência. E o melhor de tudo, que é uma peça que mexe com os seus cinco sentidos. Como já disse, a menos que você não queira, você é um espectador ativo, participante da condução da história.
Na ampla estrutura do teatro-pista, com seus 300 lugares, você é livre para se sentar onde preferir. Se no meio da peça quiser, pode mudar de lugar, para como eles dizem, ter um outro ponto de vista sobre a história que está sendo contada.
As peças podem ser classificadas como teatro musical. Tem uma banda que acompanha a história, e seus músicos também atuam como atores. José Celso até falou meio ressentido na entrega do prêmio Aplauso Brasil de Teatro deste ano, que eles fazem também teatro musical, e que não são reconhecidos, nem divulgados na mídia paulistana, como se não existissem.
Fonte: Jennifer Glass
A peça em cartaz, que continua a narração da história de Cacilda Becker (até o momento já foram quatro peças sobre a vida da atriz), é "Walmor y Cacilda 64 - Robogolpe". Ela retrata além de mais um período da vida de Cacilda, principalmente a repercussão da ditadura brasileira sobre os teatros paulistanos. Começa com a carta-testamento de Getúlio Vargas; passa pelo período de João Goulart; até desembocar no golpe dos militares, que são retratados como o Robocop, do filme de José Padilha e do atual uniforme da polícia carioca para a Copa do Mundo deste ano. Na ditadura, Cacilda Becker e Walmor Chagas trabalham na peça "O Sorriso da Iguana", de Tenessee Williams, enquanto colegas são presos e atores são intimados a comparecer ao DOPS.
Inovando mais uma vez, a peça é transmitida simultaneamente pela internet, através do site do TV Uzyna Uzona. Como sempre falam no começo da peça, se você está no teatro, você cedeu seu direito de imagem. Se não quiser, só ir correndo para a casa, ligar o computador, e ver ao vivo a peça em sua casa. Mas saiba que não será a mesma coisa.
O Teatro Oficina é algo para ser visto, ouvido, participar, cantar, ou seja, para ser vivido. Não tem melhor forma de traduzi-lo do que vivê-lo.
Classificação: Coragem, mas vá. Verá que o Oficina não é tão transgressor como pintam.
"Walmor y Cacilda 64 - Robogolpe"
Teatro Oficina
Até 01/06
Sábado - 21:00; Domingo - 19h
Duração - 120 minutos
Com Zé Celso Martinez Corrêa e Grupo Uzyna Uzona.
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